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terça-feira, 15 de setembro de 2015

Aconteceu na Caatinga


Ilustração: Flavio Morais

Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do Sol. O pequeno Calango deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na frente do majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os grandes braços abertos em cruz. 

- Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles estavam dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer do estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão sempre cheias de folhas. 

- Mas que novidade é essa? - falou a Jurema. 

- Coisa de gente besta - disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando espinhos para todo lado. 

- Eu é que não acredito nessas novidades - sussurrou o pequeno e tímido Preá. 

A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar, ficou em silêncio. 

E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e das plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam, farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando folhas e ficando cada vez mais fortes. 

Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água, começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só encontravam a terra seca e esturricada. 

O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada: 

- Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta! Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa água e não deixam nada para a gente. 

- Oxente! - gritou o Calango. - Então vou contar isso aos homens e pedir uma solução. 

Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado. 

- Os homens não me deram atenção - disse. - Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga. 

E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias ficaram assim e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou: 

- Estou sentindo cheiro de água! 

- É mesmo! - gritaram todos. 

- O que será que aconteceu? - perguntou a Jurema. 

- Eu vou ver o que foi - e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos os lados. 

O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu: 

- Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está de volta com novidades! 

E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o Calango contou tudo. 

- As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga, estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos! 

E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu azul da caatinga, aquele céu claro, o Sol brilhante, olharam uns para os outros e viram que eram irmãos, na mesma natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra. 

E a velha Cobra, desenroscando-se toda lentamente, piscou o olho e concluiu: 

- É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!





Fonte:http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/aconteceu-caatinga-634293.shtml



Por: Jaqueline Arnaldo
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