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sábado, 22 de março de 2014

FILOSOFIA NATURAL DA COMPLEXIDADE

COMPLEXIDADE


Uma breve introdução

A idéia da complexidade, muitas vezes, utilizada mais no vocabulário corrente do que no vocabulário científico, sempre contou com a conotação de “uma advertência ao entendimento, uma proteção contra a clarificação, a simplificação , a redução demasiado rápida” (MORIN, 1990, p.49).

Na ciência, a complexidade surge, ainda sem se identificar , no século XX, com a micro-física e a macro-física . Mas essas duas complexidades micro e macro-físicas eram rejeitadas na época, embora tratassem dos fundamentos da nossa physis e dos caracteres intrínsecos de nosso cosmos. Entre os dois planos, no domínio físico, biológico e humano, a ciência reduzia a complexidade à ordem simples e unidades elementares (MORIN,1990).




O que é a complexidade?

À primeira vista, a complexidade é um fenômeno que acolhe uma extrema quantidade de interações e de interferência entre um grande número de unidades. Porém, a complexidade não compreende apenas quantidades de unidades e interações que desafiam até mesmo as possibilidades de cálculo; “a complexidade compreende, efetivamente, o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que constituem o nosso mundo fenomenal” (MORIN,1990,p.20).
No que concerne a ciência, a complexidade ainda é um campo novo, abrangente, sem uma definição exata e limites palpáveis, que principalmente se dá , devido ao fato da pesquisa nessa área tentar explicar questões que desafiam todas as categorias convencionais (WALDROP,1992). Algumas dessas questões levantadas por Waldrop (1992) estão aqui resumidas em:
• Por que a hegemonia política da União Soviética entra em colapso em 1989?
Por que o colapso do comunismo foi tão completo e tão rápido?
• Por que o mercado de ações caiu mais de 500 pontos em um único dia em outubro de 1987? Muitos culpam transações comerciais realizadas eletronicamente, mas, os computadores já eram utilizados há muitos anos. Alguma razão específica para a queda da bolsa ter acontecido naquela data em especial?
• Por que as espécies ancestrais e ecossistemas permanecem estáveis em estado fóssil por milhões de anos?

Inspirada nos estudos de Cameron (1999) ,Finch (2001) , Larsen-Freeman (1997;2000), Paiva (2002), Parreiras (2005), Van Lier (1996), na área da Lingüística Aplicada, ousaria acrescentar à lista de questões propostas por Waldrop (1992) o seguinte desafio:
• Por que é tão difícil prever resultados de aprendizagem em uma sala de aula presencial ou virtual onde os alunos aparentemente usufruem, as mesmas condições: professor, instituição, nível social, materiais, recursos tecnológicos, abordagem pedagógica etc.?
De acordo com Waldrop (1992), num primeiro momento, as questões supracitadas têm a mesma resposta: ‘ninguém sabe’ . Algumas dessas questões nem mesmo parecem questões científicas. 
Entretanto, se olhadas de perto têm muito em comum: todas elas se referem a um sistema que é complexo se considerarmos que muitos dos agentes independentes interagem uns com os outros de diversas maneiras; em todos os exemplos, a riqueza das interações permite que o sistema como um todo passe por uma ‘auto-organização espontânea’.
Irregularidades encontradas em fenômenos de diversas áreas levaram cientistas, matemáticos, físicos, biólogos e químicos, a buscar ligações entre diferentes tipos de irregularidades e as compreensões daí resultantes levaram diretamente ao mundo natural, aos princípios reguladores da natureza.

Sendo a Ciência da Complexidade considerada uma ciência da natureza global dos sistemas que rompe as fronteiras que separam as disciplinas científicas (GLEICK, 1989) apresento algumas considerações sobre os princípios basilares dos sistemas complexos adaptativos, retomando alguns aspectos da física clássica e da física contemporânea a partir das considerações de Rossi (2001), Macgill (2005) , Prass (2005).

O pensamento científico: da física clássica à física contemporânea

Uma forte necessidade de entender o homem , de conhecer, controlar e reproduzir as forças da natureza em seu benefício, levou pensadores e filósofos da Grécia Antiga, a racionalizar o mundo sem recorrer à intervenção divina. Surgem os filósofos naturais, muitos deles afiliados à Escola Pitagórica (570-496 a.C.), interessados em descrever a natureza com o menor número de elementos possíveis. A máxima de Pitágoras de que o princípio fundamental que forma todas as coisas é o número, passa a ser incorporada na visão científica, servindo de embasamento para estudos promissores como os de Euclides, que apresentam a geometria como um sistema lógico, e os de Aristóteles sobre a gravidade e o geocentrismo que dominaram a física até o final da Idade Média (CÂNDIDO, 2003; PRÄSS, 2005 ; ROSSI,2001).

O desenvolvimento do pensamento científico que ganhava força ao longo dos séculos na Grécia Antiga teve seu declínio na Idade Média, passando por um longo período de estagnação devido a fatores como a destruição de bibliotecas pelos bárbaros e constantes lutas entre os senhores feudais responsáveis por criar um ambiente desfavorável ao desenvolvimento das artes e ciências.
A descoberta de novos continentes, a visão antropocêntrica do mundo, a invenção da bússola e da impressão, a afirmação e a difusão de diversas formas artísticas inspiradas no mundo greco-latino definiram a configuração do Renascimento, movimento que surge na Itália e que se propaga em toda a Europa nos séculos XV e XVI, impulsionando a retomada do desenvolvimento das ciências naturais.

René Descartes, um dos expoentes desse movimento no campo das ciências naturais, propõe pela primeira vez um método que estabelece regras formais de investigação científica, retomando o legado grego.A revolucionária proposta de Descartes encontrada em sua obra ‘Método Para Bem Conduzir a Razão e Buscar a Verdade Através da Ciência’ conta com o apoio e adesão da comunidade científica da época, marcando o início da sistematização da pesquisa científica. A exemplo de estudos que aderiram a metodologia cartesiana, pode-se citar os estudos sobre mecânica de Galileu Galilei, os quais abrem novos horizontes para a matemática moderna e para a física experimental, servindo de fundamentação para estudos expressivos na física como, por exemplo, os estudos de Newton.
Foi com Newton, entretanto, que a ciência clássica chega ao seu apogeu. Newton, usando a intuição de Galileu de abstrair o que é relevante do mundo físico, o método de Descartes, como guia metodológico de investigação e a metodologia axiomática de Euclides para sistematizar suas descobertas, apresenta à comunidade científica, os princípios matemáticos da filosofia natural.

O notável feito de Newton, que propõe a unificação das leis da natureza tais como a mecânica celeste e a mecânica terrestre, separadas, anteriormente, constitui até os dias, atuais o principal programa da física teórica, comumente denominado de Teoria do Campo Unificado que visa sintetizar num único conjunto de equações ou a partir de um princípio geral a ação das forças fundamentais da natureza (gravitacionais, eletromagnéticas e nucleares).
O extraordinário sucesso dos trabalhos de Newton provocou uma profunda mudança na visão de mundo, o que Thomas Khun chamaria de quebra de paradigma, com seus conceitos de espaço e tempo absoluto que previam a existência do espaço, independente do observador e de um tempo que flui, homogeneamente, também desvinculado do observador. Esses princípios, associados à obra ‘Princípios da Matemática da Filosofia Natural’ desenvolvida, posteriormente, por Newton, marcam o início de uma visão científico-filosófica de mundo conhecida como determinismo mecanicista.

A essência dessa visão prevê que de posse das condições iniciais de um fenômeno e das respectivas leis que o governam, pode-se determinar todo o seu movimento subseqüente, sintetizado pela máxima de Laplace ‘dê-me as condições iniciais do Universo e eu preverei o futuro’.
Um dos desdobramentos dessa visão é a tentativa de se descrever o todo reduzindo-o à investigação das partes isoladas, dando origem ao que se denomina reducionismo.A exemplo, basta pensarmos nas idéias newtonianas de que o Universo é um grande relógio (big clock), fazendo alusão ao fato de que para que possamos entender o funcionamento de um relógio, se faz suficiente estudar, isoladamente, suas partes constituintes.

Uma nova fase da física, marcada pela revolução industrial no século XVIII, se desponta por intermédio da termodinâmica que estuda a relação entre calor e trabalho . Neste momento, cientistas naturais que vinham utilizando alguns aspectos da teoria mecanicista para explicar a construção de máquinas térmicas apontam o primeiro defeito do Santo Grau da ciência, ou seja da Teoria de Newton. Esta não prevê, em suas equações a diferenciação entre tempo passado e presente, fenômeno reconhecido como sendo de sentido único para o futuro.

A fim de se explicar tal incoerência, fez-se necessário a elaboração de um novo conceito que dá sentido ao tempo, denominado entropia, o qual se refere a uma tendência natural da energia de se dispersar e da ordem evoluir, invariavelmente, à desordem. Esse conceito dá sentido ao tempo por retratar a tendência da natureza de partir de um estado de organização para um estado de desordem, o que define a chamada seta do tempo. Como exemplo, pode-se pensar em uma xícara de café que cai e se quebra evidenciando a passagem de um estado de maior ordem para a desordem, mas nunca se foi observado o contrário, ou seja, a xícara se recompondo, o que constituiria uma evolução de um estado de maior desordem para uma maior ordem.

É a era quântica, todavia, que desponta no fim do século XIX, que leva a física à sua fase contemporânea .A nova ‘lógica’ resultante das várias pesquisas sobre a estrutura da matéria e radiação, tem como conceito fundamental o quantum .
A grande revolução causada pela teoria quântica é a introdução do princípio da incerteza de Werner Heisenberg em 1927. O princípio da incerteza que, resumidamente, significa a não possibilidade de se determinar com precisão absoluta a posição e velocidade simultânea de um corpo, rompe, definitivamente, com o quesito fundamental do determinismo mecanicista de se conhecer exatamente tais grandezas (condições iniciais) para se descrever um fenômeno.

As possíveis interpretações da mecânica quântica fazem florescer correntes científico-filosóficas que dão início às novas visões de mundo, gerando hipóteses que buscam a descrição da realidade objetiva.
Das correntes atuais, encontradas na física contemporânea pode-se mencionar a Ciência da Complexidade que inova ao propor uma visão holística que incorpora a não linearidade, a imprevisibilidade, o dinamismo da relação entre as partes, a alta sensibilidade às condições iniciais e auto-organização de um fenômeno.

A nova ciência
Segundo Prigogine (1984), os conceitos básicos que fundamentavam a concepção clássica do mundo encontraram, hoje, seus limites num processo teórico que os cientistas naturais não hesitam de chamar de metamorfose. Essa concepção que prevê a redução de um conjunto de processos naturais a um pequeno número de leis foi abandonada. Não são mais as situações estáveis e permanências que interessam, mas as evoluções, as crises e as instabilidades. Os pesquisadores das ciências naturais não estão mais interessados apenas no estudo do que permanece, mas também no estudo do que se transforma, das perturbações geológicas, climáticas, da evolução das espécies, da gênese, das mutações das normas que interferem nos comportamentos sociais.
Muito pode-se aprender se dividirmos um determinado equipamento para vermos o quê cada parte faz para que ele funcione. Entretanto, nem tudo pode ser examinado dessa maneira, ou seja, de maneira reducionista. Parafraseando MacGill (2005), dissecando um rato aprendemos sobre suas partes mas, dissecá-lo implica matá-lo, o que nos impede saber o que lhe dá vida. Muitas vezes, se faz necessário tomar um posicionamento que contemple o dinamismo de um todo para que se possa melhor entender como que suas partes funcionam e o que as interações dessas partes podem fazer emergir.

Essa linha de pensamento tem como um de seus expoentes Waldrop (1992) que defende que a visão mecânica do universo foi considerada inadequada para descrever fenômenos complexos uma vez que o universo, ao mesmo tempo, em que é integrado, é incompreensível em termos da mecânica e do pensamento linear , acolhendo desta forma, a inovação, a aprendizagem e a adaptação.
O autor acrescenta que o ato de se pensar em sistemas nos diz que as relações são mais importantes do que as entidades isoladas e que a complexidade amplia essa perspectiva por considerar a conectividade como característica essencial dos sistemas complexos, ou seja, partes interagindo produzindo a auto- organização, da qual estruturas imprevisíveis de ordem maior emergem.

É neste contexto que surge uma nova ciência, a Ciência da Complexidade , inicialmente, originária da confluência de várias áreas, inclusive a Cibernética, Teorias dos Sistemas, Inteligência Artificial e Dinâmicas Não-lineares, muitas das quais começaram a aparecer nas ciências físicas no meio do século XX (FISHER, PHELPS e WELLS,2004, WALDROP,1992) .
A literatura consultada que versa sobre a Ciência da Complexidade abrange teorias no campo da física como, por exemplo, a Teoria do caos, a Teoria dos sistemas dinâmicos adaptativos e tem fortes ramificações em diversas áreas do conhecimento como, por exemplo, as ciências econômicas e a antropologia.

Devido à diversidade de áreas de conhecimento em que a Ciência da Complexidade se insere, tomo como parâmetro referencial para esse estudo algumas das características reconhecidas por diversos pesquisadores (KIRSHBAUM,2005; PALAZZO,2004; WALDROP,1992) como comuns em um sistema complexo adaptativo por se tratarem de um tipo de sistema que contempla os conceitos de auto-organização e emergência, essenciais para a análise dos dados desta pesquisa. Essas características que exibem qualidades importantes para o funcionamento desse tipo de sistema serão tratadas, detalhadamente, na seção subseqüente. 

Sistemas complexos adaptativos: propriedades e especificidades
Proponentes da Ciência da Complexidade (PALAZZO,2004; WALDROP, 1992, KIRSHBAUM, 2005) advogam que a um sistema complexo adaptativo, freqüentemente, conta com as seguintes características:

• Complexo, Dinâmico, adaptativo e não- linear
Um sistema complexo é qualquer sistema que envolve elementos ou agentes, não necessariamente em grande número, que interagem entre si, formando uma ou mais estruturas que se originam das interações entre tais agentes.A construção das estruturas de um sistema está, intimamente, relacionada ao comportamento que emerge das interações desses agentes e à constante ação e reação dos mesmos, gerando processos de mudança, os quais, não podem ser descritos por uma única regra, nem tão pouco reduzidos a um único nível de explicação. (WALDROP, 1992; PALAZZO, 2004, KIRSHBAUM,2005).
As constantes ações e reações dos agentes fazem com que o sistema se torne dinâmico e devido a isso, nada no sistema é fixo. A rede de agentes integrados em um todo dinâmico conta também com a capacidade de adaptar seu comportamento a possíveis mudanças de eventos ambientais, conferindo ao sistema um caráter adaptativo.

Um sistema complexo dinâmico adaptativo tem vários níveis de organização, com agentes em um nível servindo de ‘blocos construtores’ para agentes de em um nível superior. Um grupo de proteínas, por exemplo, lipídios e ácidos nucléicos formam uma célula, um grupo de células formam um tecido, que formam um órgão, cuja associação forma um organismo, que em conjunto com outros organismos formam um eco-sistema (WALDROP,1992).
Um aspecto relevante é que este tipo de sistema está constantemente revisando e reorganizando seus blocos construtores à medida que ele ganha experiência. Gerações sucessivas de organismos modificarão e reorganizarão seus tecidos através do processo de evolução. O cérebro, por exemplo, continuará a se fortificar ou enfraquecer suas conexões entre seus neurônios na medida em que um indivíduo estabelece uma troca com o mundo.Um dos mecanismos fundamentais de adaptação de um determinado sistema é a recombinação de seus blocos construtores.

O controle de um sistema complexo dinâmico adaptativo tende a ser disperso, ou seja, não centralizado e seu comportamento coerente é gerado pela competição ou cooperação entre os agentes do sistema.Uma outra característica determinante em um sistema complexo dinâmico adaptativo é sua não-linearidade. Uma mudança linear, geralmente, ocorre em uma seqüência de eventos que afetam uns aos outros na ordem em que aparecem, ou seja um após o outro. Em contrapartida, em uma mudança não linear, observam-se elementos sendo mudados os quais por sua vez afetam os elementos que procedem na seqüência, originando uma espécie de simbiose. Em um sistema complexo, o efeito não é diretamente proporcional à causa o que não, necessariamente, implica que ele não possa em algum estágio apresentar características lineares. (GLEICK,1989; PALLAZZO,2004; WALDROP, 1992).

• Caótico, imprevisível , sensível às condições iniciais
Mesmo sendo possível prever o que ocorrerá em um próximo estágio de desenvolvimento de um sistema complexo, torna-se cada vez mais difícil prever à médio e longo prazo, o que ocorrerá se tomarmos como base o primeiro estágio desse sistema, pois observa-se em fenômenos caóticos um distanciamento exponencial do erro existente entre o observado e o previsto. Pode-se tomar como exemplo o mercado da bolsa de valores.Após a compra de ações no mercado de capitais, pode-se estimar o preço futuro dessas ações em curto prazo. Entretanto, a medida em que o tempo passa, ou seja, em longo prazo, obtém-se uma estimativa para o valor dessas ações, muito provavelmente, equivocada. Assim, mesmo havendo um desenvolvimento lógico de estágio para estágio, existe uma incapacidade de se prever com precisão como será o próximo estágio.

Essa incapacidade de se prever os estágios futuros de um sistema complexo é uma das características principais dos sistemas ditos caóticos e sua imprevisibilidade está relacionada ao fato do sistema ser altamente sensível às condições iniciais ou seja, uma pequena mudança nas condições iniciais do sistema pode ocasionar grandes implicações em seu comportamento futuro (WALDROP, 1992;GLEICK,1989, KIRSHBAUM, 2005).
A exemplo, cito um episódio que ocorreu no estado da Flórida , nos Estados Unidos, que retrata as implicações da imprevisibilidade no comportamento de um sistema. Uma espécie de borboletas, tinha como rota uma determinada região da Flórida, fertilizava a região auxiliando dessa forma o plantio eficaz de produtos hortigranjeiros. Com uma pequena variação na temperatura média global, as borboletas optaram por outra rota causando uma brusca queda na produção do setor hortigranjeiro, chegando a influenciar os pequenos e grandes produtores da região , causando até mesmo a queda na bolsa de valores e uma recessão econômica.

Utilizo aqui o episódio da Flórida para ilustrar, principalmente, a sensibilidade dos sistemas caóticos às condições iniciais, o que não quer dizer que pequenas mudanças, necessariamente, vão gerar desastrosos impactos no sistema. Possíveis intervenções dos agentes do próprio sistema e do ambiente podem favorecer a auto-organização e restabelecimento da ordem. Assim como a alta sensibilidade às condições iniciais, não linearidade, características típicas dos sistemas caóticos, o conceito da turbulência, também encontrado no caos, contribui de forma expressiva para que os processos de auto-organização e emergência, próprios dos sistemas dinâmicos adaptativos, possam ser favorecidos.A turbulência, na visão de Gleick (1987,p. 124) se refere “a uma porção de desordens em todas as escalas [...] É instável. É dispersiva e pode ter a capacidade de tirar energia e criar o arrastamento . É o movimento que se torna aleatório”.

• Aberto, auto-organizável, sensível ao feedback
Um sistema complexo é considerado aberto pelo fato de trocar insumo ou energia com o do ambiente e suscetível às mudanças resultantes de feedback, adaptando-se ao novo ambiente e aprendendo por meio de sua experiência
Segundo Palazzo (2004), o feedback desencadeia causas e efeitos, e uma de suas principais características é ser auto-amplificador. Quanto mais complexo um sistema (seres vivos, por exemplo) maior é o número de feedback que apresenta desenvolvendo assim, propriedades completamente novas denominadas de emergência.
Uma outra característica fundamental, ressaltada por Palazzo (2004, p.4), é a capacidade que o sistema tem de seleção natural e auto-organização. “A organização surge, espontaneamente, a partir da desordem e não parece ser dirigida por leis físicas conhecidas. De alguma forma, a ordem surge das múltiplas interações entre as unidades componentes.”

• Atratores estranhos e fractal
Quando um sistema é complexo, não linear, aberto com insumo constante, o número de componentes interativos e a quantidade de energia inserida no sistema causam o aparecimento de atratores estranhos, os quais passam a funcionar como rotas para o sistema. Esse sistema se renova em ciclos semelhantes, mas nunca idênticos, ainda que restritos dentro dos limites dos atratores (PALAZZO,2004).

Fazendo uma analogia, pode-se tomar como exemplo uma sala de aula.Observando as interações em uma sala de aula, facilmente podemos detectar alunos, cujas relações com os colegas geram comportamentos que podem influenciar, positiva ou negativamente, o curso das aulas. As interações desses alunos, como poderia, também, ser o caso do professor, por se tratar de um dos integrantes da sala de aula, são os atratores, e traçam uma tendência que, possivelmente, guiará o comportamento da turma. Entretanto, no curso das aulas, esses mesmos indivíduos, podem manifestar pequenas variações do mesmo tipo de comportamento, de uma aula para outra, determinando dessa forma, a renovação em ciclos semelhantes mas nunca idênticos.
Segundo Bar-Yam (2000) , os fractais são entidades ‘auto-semelhantes’ . Mais especificamente, um fractal geométrico é constituído de partes, as quais ampliadas, têm o mesmo formato original.O autor cita, como exemplo, a foto de uma costa marítima que uma vez ampliada, mostra, basicamente, as mesmas formas. Outros exemplos de propriedades fractais, segundo Bar-Yam, incluem as árvores ou outras estruturas similares de ramificações e estruturas de organizações hierárquicas.
Bar-Yam (2000) ainda enfatiza que, as formas fractais são importantes para a ciência moderna, uma vez que muito da ciência tradicional se fundamenta no cálculo e assume que tudo passa a ser uniforme quando medido por uma escala minuciosa. O reconhecimento de que certas formas não são uniformes e que essas formas podem ser estudadas e analisadas matematicamente, e observadas na natureza, têm sido uma grande contribuição para a evolução da ciência.

• Emergência
Quando agentes em um sistema trabalham, individualmente, ou seja com pouca ou quase nenhuma interação, o que se ganha é, simplesmente, o cumprimento das tarefas a eles designadas. Entretanto, quando agentes trabalham interagindo, algo de novo e diferente pode resultar; algo que é mais do que a soma dos resultados individuais, um padrão coerente que nasce das interações entre os agentes de um sistema.Esse padrão coerente ou global, originário de padrões locais de um determinado sistema dinâmico adaptativo, é comumente denominado emergência (ODELL,1998).
Segundo Bar-Yam (2000) a ciência tem tentado compreender a complexidade, contrapondo-se ao objetivo científico tradicional de se entender a simplicidade fundamental das leis da natureza.Entretanto, para Bar-Yam, o estudo da complexidade pode também contar com o entendimento de leis simples e compreensíveis.
Assim como o determinismo mecanicista contribuiu para investigações de diversas áreas do conhecimento como discutido, anteriormente, a Ciência da Complexidade, hoje, parece ser o berço de investigações científicas que consideram a influência das interações em um sistema, bem como, o que possa emergir dessas interações. Mais do que uma teoria na área das Ciências Naturais, as interpretações e desdobramentos cientifico-filosóficos dessa nova ciência que considera o todo maior do que a soma de suas partes , oferece a diversas áreas do conhecimento oportunidades de uma nova visão de mundo.

Essa nova concepção de mundo, que, em um primeiro momento, foi privilégio de institutos de pesquisa que investigavam fenômenos naturais, parece ser incorporada pelos estudos na área de dinâmica de grupo na Psicologia Social (LEWIN,1951), trazendo ainda que, acanhadamente, para o mundo das ciências sociais e filosóficas, possibilidades de se investigarem fenômenos, dinâmicas e variáveis comportamentais próprios dos seres humanos. As contribuições de Lewin (1951), psicólogo social, e de outras escolas na área da Psicologia Social, que contemplam as interações entre indivíduos, em especial interações em grupo, motivaram pesquisadores tais como Arrow, McGrath e Berdahl (2000) e Wheelan e Williams (2003) a apresentar à comunidade científica das Ciências Sociais, estudos que consideram o grupo como um sistema complexo.

Já na área da Lingüística Aplicada e na área da Educação, estudos expressivos, principalmente, os estudos voltados para a colaboração (DORNYEI e MALDEREZ,1998; DORNYEI e MURPHY, 2003; CANDY,1991; LITTLE, 1991,1999;2002), têm ressaltado a importância das relações entre os agentes envolvidos no processo de aprendizagem, manifestando, dessa forma, uma mudança de olhar que parece estar em consonância com a proposta de Bachelard (1988,p.74 citado por BASTOS FILHO, 2003) de reivindicar a inversão da proposta de Descartes: ‘ao invés do ser ilustrar a relação é a relação que passa a iluminar o ser’.

Todavia, é com os estudos de Larsen-Freeman (1997, 2000), Paiva (2001) e Van Lier (1996) que a Ciência da Complexidade entra na arena da Lingüística Aplicada em busca do melhor entendimento de fenômenos tais como a aprendizagem de línguas e construtos que a fomentam como a autonomia. Parafraseando Cilliers (2000), os mundos da ciência e da filosofia nunca existiram isoladamente, entretanto, a relação desses mundos está entrando em uma nova fase, influenciada pelas pesquisas aplicadas e principalmente pelo aumento da importância da tecnologia. O que era considerado muito complexo para ser analisado como um todo, hoje, com o advento da tecnologia, em sua maioria, não precisa ser mais fragmentado.


Sobre a autora: Junia de Carvalho Fidelis Braga é candidata ao Doutorado em Lingüística Aplicada-Linguagem e Tecnologia- pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. O presente texto faz parte dos resultados parciais de pesquisa que serão submetidos para o Exame de Qualificação para a obtenção de título de Doutor em Lingüística Aplicada na FALE-UFMG.




REFERÊNCIAS

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Fonte:Academia Basileira de Letras

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